quarta-feira, dezembro 22, 2004

Bom Natal

e não se deixem enganar.



terça-feira, dezembro 21, 2004

Animada

é como vai a República: demissões, jantares, acções de pura propaganda demagógica, tensão alta, apito dourado...



sexta-feira, dezembro 17, 2004

Nova Maravilha

do Mundo. E vem de França.


quinta-feira, dezembro 16, 2004

As Peles Pisadas

Frequentemente, lá aparecem umas modelos à porta de grandes armazéns de Lisboa protestando contra a venda de casacos de peles. Os cartazes dizem sempre qualquer coisa como: “Eu prefiro andar nua do que usar peles”. Alguém podia dizer às criaturas que o frio pode ser terrível e se todos se despissem quando não concordam com alguma coisa, bem podem o Adão e a Eva sentir-se injustiçados.
Elas despem-se porque gostam de animais, por causa da fome em África, enfim, por mil e uma razões. Sinceramente , preferia que dirigissem a sua atenção e preocupações para as meninas modelos cujo ritmo de vida as impede de prosseguir estudos, de viver com a família; para as dietas loucas e outros “tratamentos” que essas meninas recebem para ficarem com as medidas exactas; para a exploração feita pelos donos das agências; para as falsas expectativas criadas a milhares de adolescentes pelas escolas de modelos; etc.
E os homens? Por que razão os homens, modelos ou não, não aparecem nestas acções de rua? Servirão eles para explicar a justiça das causas que elas apoiam, colocando o rabo ao léu por não saberem fazer mais nada?
Finalmente, registe-se o facto dos casacos de peles, devidamente pisados e pintados com spray, serem oferecidos ao povo afegão e aos sem-abrigo portugueses. Se existir relação, só pode ser uma: perto das estrelas da imagem e do esplendor das luzes, os sem-abrigo e o povo afegão vivem ainda na pré-história. Estão por isso perdoados e merecem um rebuçado. Pois.
Julgo é que os afegãos e os sem-abrigo prefeririam que lhes enviassem as próprias modelos. E aqui para nós, isso é que era.

segunda-feira, dezembro 06, 2004

'Biografia' de Nuno Júdice

Biografia


Incorreu no desejo, no pecado melancólico
do amor, no gozo do instante que o tempo
apaga. Cedeu às espumas abstractas da vida
a solidão herdada da noite. Entrou num rio
de palavras difusas, abandonando a segurança
das margens.

Conheceu o pálido reverso dos rostos;
acordou corpos dos quais só lembra um frio
de sombra; viu a destilação da ausência
nos sentidos que o outono entorpece, in-
diferente, na expectativa dos júbilos
primaveris.

Na estação que traz de vota a fúnebre
rapariga, no entanto, algo correu mal. Não
marcou o despertador para a hora certa; não
ouviu o nome que assinala o reconhecimento
dos amantes. Dormira pouco a noite passada;
distraíra-se.

Sobrou-lhe de tudo isto um resíduo de
canto: revelação de um eco de voz sem a
opacidade de lábios, súbita como a imagem
de uns cabelos antigos
no vazio do verso.




terça-feira, novembro 30, 2004

Indiana Jones das Palavras

Numa demorada incursão pelos jornais americanos surge um nome desconhecido: David Shulman. O nome do senhor aparece na página da necrologia e diz-nos que se tratou de um autêntico Indiana Jones. Ele caçava tesouros mas não aqueles em que estamos a pensar. Durante setenta anos, Shulman frequentou diariamente a Biblioteca Pública de Nova Iorque. Os tesouros estavam lá à sua espera. Palavras.
Ele não nos deixa cabeças de animais expostas nas paredes nem o cálice do Santo Graal num mostruário de museu. Shulman perseguia os neologismos, dava-lhes uma história e entregava-os prontos a serem colocados nos dicionários. Jesse Sheidlower, editora do Oxford English Dicionary afirma que “ele deixou incontáveis contributos”.
Os americanos ficam a dever-lhe que imensas palavras ou expressões passassem de modas simples e corriqueiras a verdadeiras estátuas da língua. Exemplos: “hot-dog” e “Big Apple”. O cachorro quente tem uma história contada em livro de que Shulman é co-autor. “Big Apple” é um termo que a entidade de turismo norte-americana oficializou em 1971. Há até um filme dos anos 60 com Bette Davis, em que ela era uma vagabunda que vendia maçãs verdes e estas já eram o símbolo da grande cidade. Mais antiga ainda é a referência na anedota do imigrante acabado de chegar ao porto de Nova Iorque, com poucas moedas no bolso. Apesar disso, comprou uma maçã, com a vontade de vencer na vida não a comeu, limpou-a bem, vendeu-a pelo dobro, comprou duas, limpou, vendeu, comprou a dobrar, e assim por diante, até que estando com 1 048 576 maçãs, um tio rico morreu e deixou-lhe vários milhões de dólares. Que melhor relação entre a maçã e o êxito financeiro?
Nos velhos discos de jazz e no calão da música, já nos anos 30 havia gente que se referia a Nova Iorque como “A Grande Maçã”. Shulman desenterrou um livro publicado em 1909 em que estava escrito: “O resto do país pensa que a “Big Apple” tem uma parte desproporcionada na importância nacional”.
Esta referência pôde assim entrar nos dicionários mas muitas outras tiveram esse privilégio graças ao trabalho infatigável de Shulman. O jeito que ele daria em Portugal.

segunda-feira, novembro 29, 2004

Da Poesia

Di poesia


Non hai forse già riempito
Tutto l'eserciziario?
Come radice nel suolo di ghiaia
Il vero labirinto ti sta dentro,
E se non ha nome cervello
Si chiama l'intestino:
In povere parole,
Storia o sartoria?
Ma infine anche Alice's sister
Vede il sogno.



© 2002 Franco Buffoni

quarta-feira, novembro 24, 2004

Apenas uma Sílaba

A Sílaba


Toda a manhã procurei uma sílaba.
É pouca coisa, é certo: uma vogal,
uma consoante, quase nada.
Mas faz-me falta. Só eu sei
a falta que me faz,
Por isso a procurava com obstinação.
Só ela me podia defender
do frio de janeiro, da estiagem
do verão. Uma sílaba.
Uma única sílaba.
A salvação.




Eugénio de Andrade

terça-feira, novembro 23, 2004

Um Poema de Fiama

CANTO DOS LUGARES

Tantas vezes os lugares habitam no Homem
e os homens tantas vezes habitam
nos lugares que os habitam, que podia
dizer-se que o cárcere de Sócrates,
estando nele Sócrates, não o era,
como diz Séneca em epístola a Hélvia.

Por isso cada lugar nos mostra
uma vida clara e desmedida,
enquanto o Tempo oscila e nos oculta
que é curto e ambíguo
porque nos dá a morte e a vida.

E os lugares somente acabam
porque é mortal cada homem
que houve em si algum lugar.

Soares e Bush

Qualquer político, em qualquer lugar, gostaria de ter obtido a vitória que Bush obteve. Ela foi expressiva e transparente, foi obtida a partir de fortes convicções e não vergou ao politicamente correcto da política externa e dos costumes. Ele teve o maior número expresso de votos que alguma vez elegeram o Presidente dos Estados Unidos e o seu partido alargou a maioria no Congresso e no Senado.
De nada valeu a opinião veiculada pelos media e claramente favorável a Kerry. Os americanos souberam destrinçar entre a opinião que lêem e a opinião que têm e que vão construindo ao longo do tempo.
Aqui no rectângulo, foram muitos os que declararam ir votar Kerry. Foi pena não o terem feito, talvez assim o resultado fosse mais equilibrado. Ao mesmo tempo, o interesse e a participação demonstrados pelo povo americano confirmaram aos mais desatentos uma sociedade responsável, que sabe o que quer e desmente essa falsa ideia de um povo inculto, desinteressado e egocêntrico.
Na semana que antecedeu o acto eleitoral, no programa “Prós e Contras”, Mário Soares definiu Bush como um fanático religioso que está convencido de que fala com Deus e julga estar a cumprir uma missão na Terra. Perante esta opinião só podemos ter duas atitudes: ou ele acredita no que disse e merece um rápido acompanhamento médico ou então trata-se de uma desonestidade intelectual numa pessoa que se julga uma sumidade internacional, especialmente quando se coloca contra a política externa norte-americana. É preciso lembrar aos “esquecidos estratégicos” que o senhor em causa foi vencido na eleição para presidente do Parlamento Europeu por uma senhora completamente desconhecida, vítima ainda por cima de comentários infelizes e machistas por parte de Mário Soares. Felizmente que no presente outros foram capazes de ascender aos mais altos cargos políticos europeus. Podemos estar contra uma Administração americana, discordar das suas políticas e desejar a sua derrota eleitoral; não podemos é difamar, distorcer factos e mentir sobre as pessoas.
Por favor, ajudem-no a terminar a sua carreira com dignidade.

segunda-feira, novembro 22, 2004

As Scuts

A questão das Scuts é demasiado importante para passar em claro no nosso meio. Evidentemente que, quando se trata de pagar algo que até ao momento é gratuito, se trata de uma medida impopular e problemática. Contudo era bom que todos discutissem o assunto de forma séria e evitassem o folclore das manifestações que acabam em fiasco.
Durante uns tempos lançou-se a ideia que havia almoços grátis. Tudo era facilidade e quem viesse depois que tratasse do assunto. Não há modo mais agradável de fazer política: temos uma situação estável, podemos fazer umas flores, assumir uns quantos compromissos porque quando vier a conta, já cá não estaremos… Foi desta maneira que começou a questão das ditas Scuts: elas foram construídas por privados com a promessa de que o Estado lhes pagaria ao longo dos anos. Quer isto dizer que antes, quando tínhamos uma boa situação económica, não havia dinheiro para essas obras, pelo que o governo da altura, liderado por Guterres, inventou uma engenharia financeira que lhe permitia apresentar ao eleitorado obra feita, passando a factura para orçamentos futuros. Façamos uma pausa para, distanciados que estamos já alguns anos, avaliar este comportamento. Como apelidá-lo? Irresponsável, interesseiro, cínico… O que as mentes superiores esperavam era que o crescimento económico gerasse receitas públicas suficientes para que o encargo das “portagens virtuais” fosse suportado pelos futuros orçamentos.
A verdade é que o mundo não se resume a auto-estradas. E havendo outras áreas onde investir, é perfeitamente natural e justo que os seus utilizadores as paguem, sobretudo em zonas onde existe mais do que uma alternativa de percurso.
Logicamente, muitos portugueses protestarão. Muitos mais do que os que participaram na manifestação em Castelo Branco. Convinha talvez que avaliassem a situação e soubessem a que porta bater para pedir responsabilidades. Foi aliás esclarecedor a ausência do senhor Cravinho quando chamado à comissão de inquérito na Assembleia da República. Consciência perturbada? Não havia necessidade…
A vida é mesmo assim: não há almoços grátis e são certas formas de fazer política que dizem tudo sobre os seus autores.

sexta-feira, novembro 19, 2004

Os anti-sistema

O Euro trouxe o sentimento patriótico e a confiança. Durante uns dias, orgulhámo-nos de ser portugueses, falámos bem de nós, estivemos nos títulos dos jornais de todo o mundo. Mostrámos que somos homens e mulheres fantásticos, capazes de obras meritórias, tantas vezes esquecidas por décadas de coisas pequeninas. Quando não existe inveja, calúnia ou tráfico, qualquer que ele seja, Portugal tem valor e apetece cá viver.
E a outra face da moeda? Quem são os outros? Encontramo-los todos os dias e vivem à sombra do poder da altura, qualquer que ele seja. Ocupam todas as profissões e prometem tudo o que não é seu para dar. Vivem à conta dos impostos que não pagam e anunciam-se como “anti-sistema”. Podem ser gordos ou magros, altos ou baixos. Todos os conhecem por não ter qualidades. Triunfam através de expedientes, pisam quem se lhes atravessa no caminho, são mesquinhos e invejosos. Andam acompanhados por cães ferozes que pretensamente lhes dão um ar de seriedade que um qualquer curso superior não conseguiu. O emprego serve apenas para ir buscar o vencimento no final do mês. Aí não são nada “anti-sistema” e contam as notinhas como os outros. Não fazem nada especialmente bem. Escrevem português com erros, falam convictamente do que ignoram e criam mau ambiente onde quer que estejam. Ninguém gosta deles mas não têm a coragem de os pôr na ordem porque os temem. Odeiam a qualidade, invejam e caluniam o sucesso dos “apagados” que estão na mesa do lado. Millôr Fernandes dizia a propósito deles que não fora o seu passado duvidoso e o futuro incerto e ainda poderiam ir longe na vida. O problema para nós é que, em Portugal, até vão: a preguiça alheia e o tráfico, seja ele qual for, permitem-lhe ser director de alguma coisa ou dinamizar um projecto. Iguais a si próprios e manifestamente incompetentes, tiranizam todas as equipas a que pertencem e humilham os verdadeiros competentes. Eis a coroa de glória: o pretenso “anti-sistema” chega a ser condecorado pelo que nunca fez. Como não tem vergonha e ignora que nada fez, deixa andar e aceita o que não merece. A seu lado, o cão feroz ri na sua irracionalidade.
E aí está a outra face dos portugueses que explica as suas insuficiências: os prémios que se atribuem a esta gente sem qualidades.

quarta-feira, agosto 25, 2004

Reflexões

Recebi recentemente um e-mail de um tal senhor George Carlin que gostaria de partilhar com os meus leitores.
“O paradoxo do nosso tempo reside no facto de termos edifícios mais altos mas menor capacidade de pensar, vias rápidas mais largas mas uma visão da vida mais curta. Nós gastamos mais mas possuímos menos, compramos mais mas apreciamos menos. Temos casas maiores mas famílias mais pequenas, mais recursos mas menos tempo. Temos maiores níveis de escolaridade mas menor senso, maiores conhecimentos mas menor discernimento, mais especialistas mas mais problemas, mais progressos na medicina mas menos saúde. Bebemos muito, fumamos muito, rimos pouco, conduzimos muito depressa, zangamo-nos muito, ficamos a pé até muito tarde, levantamo-nos muito cansados, lemos muito pouco, vemos muita televisão e rezamos demasiado pouco.
Multiplicamos as nossas posses mas reduzimos os nossos valores. Falamos muito, amamos muito pouco e odiamos muito frequentemente. Aprendemos a sobreviver mas não a viver. Acrescentamos mais anos à vida mas não mais vida aos anos.
Fomos capazes de ir até à Lua e mais longe mas temos problemas em atravessar a rua para conhecer um novo vizinho. Conquistámos o espaço mas não ganhamos o nosso espaço.
Fizemos coisas maiores mas não melhores. Tentamos purificar o ar mas poluímos os países do Sul. Conseguimos ultrapassar a barreira atómica mas não a dos nossos preconceitos.
Escrevemos mais mas aprendemos menos. Planeamos mais mas realizamos menos. Aprendemos a apressar mas não a esperar. Construímos mais computadores para guardar mais informação, para produzir mais cópias que nunca mas comunicamos cada vez menos. Este é o tempo do fast food e das digestões lentas, dos grandes homens e dos pequenos caracteres, dos lucros fáceis e das amizades interesseiras. Estes são os dias dos dois salários mas de mais divórcios, casas mais bonitas mas lares desfeitos. Este é o tempo das viagens rápidas, das fraldas descartáveis, de menosprezar a moralidade, do passar uma noite, dos corpos obesos, dos comprimidos que melhoram o humor, que acalmam, que matam… É um tempo em que há mais na montra que em stock.”
Quando as férias estão no fim, usemos algum do nosso tempo para repensarmos a nossa existência e lembremo-nos que cada dia que nasce é uma nova oportunidade para melhorarmos mais um pouco.

quarta-feira, junho 09, 2004

DIA D

Em Fevereiro de 2003, antes da invasão do Iraque, um jornalista americano escrevia, tendo por fundo uma imagem do cemitério militar de Coleville na Normandia: “Estes rapazes morreram para salvar a França dum tirano chamado Adolf Hitler. E hoje, quando outros rapazes da América se preparam para se bater e morrer para salvar o mundo de um outro tirano tão monstruoso, Saddam Hussein, onde estão os franceses?”.
Quando se comemoram os sessenta anos sobre o dia que libertou a Europa do fascismo e do nazismo, a pergunta continua no ar: onde estão os franceses? Pois bem, estão naquela Europa que subestima o hiperterrorismo enquanto se tenta promover a si própria; a Europa que quer ter autonomia política e estratégica mas sempre em complemento dos EUA, de cuja aliança militar depende; a Europa que tem objectivos bem limitados: a segurança no interior do seu território, incluindo a bacia mediterrânica.
Na Normandia, morreram americanos, ingleses, canadianos, australianos e franceses. Terá sido em vão? De acordo com Zachary Selden, director do comité de defesa e segurança da assembleia parlamentar da NATO, “onde a América vê a utilização da força em nome de princípios morais, a Europa vê imperialismo; onde a Europa pergunta por que é que a América quer impor os seus valores, a América considera que esses valores são universais e moralmente absolutos”. É curioso verificar que os novos parceiros europeus se sentem fascinados pela Europa em que entraram, mas ainda olham os EUA como sendo o único país que os pode proteger, se necessário. E isso acontece porque a Europa está, cada vez mais, a ficar à margem de uma história que se muda para outros palcos. O Ocidente está a mudar-se para o (Médio) Oriente, com tudo o que isso encerra de novidade.
A Europa deve continuar a colaborar em garantir a segurança no Afeganistão, em resolver o problema palestiniano, em promover a democracia no mundo árabe, em convencer o Irão a não construir a bomba atómica, e para isso, não poderá ignorar os EUA. Sobretudo, não deverá esquecer que o direito dos povos a serem libertados de despotismos extremistas se sobrepõe ao habitual respeito pelas fronteiras e ao velho princípio de soberania. Hoje, como há sessenta anos na Normandia.

segunda-feira, junho 07, 2004

Jornalismo

1. Falemos hoje de jornalismo. Se alguma conclusão se pode tirar, a partir de acontecimentos registados recentemente em todo o mundo, é que existe um novo relacionamento entre as audiências e os media caracterizado pela crescente afirmação cívica dos leitores. Ao contrário do que sucedia antigamente, hoje em dia os públicos ou uma parte muito significativa deles não se deixam enganar. Eles desejam maior intervenção e mais transparência nos media. Por sua vez, os profissionais da informação exigem dos diferentes serviços públicos e das empresas permanente disponibilidade e transparência. Ora, é isto precisamente o que os cidadãos exigem dos jornalistas. Os avanços da cidadania e do conhecimento tornaram os leitores mais atentos e mais exigentes.
É curioso analisar o contributo que os bloggers estão a criar no mundo do jornalismo. Alguns leitores não se limitam a ler o jornal, a ouvir rádio ou a ver televisão. Alguns tornam-se, eles próprios, autores, criadores de informação que se exprimem nas mais diversas áreas e num novo espaço público. Até a própria função do jornalista se está a modificar através da utilização dos motores de busca que tornam a procura da informação mais eficiente e mais rápida. Tudo isto permite uma grande acessibilidade de conteúdos em todo o mundo, enfatizando o conceito de “aldeia global” onde os cidadãos longínquos se aproximam pela Web.

2. As notícias sobre o mundo das celebridades e dos famosos serão verdadeiras notícias ou simples voyeurismo? Trata-se de um mercado em franca ascensão ligado a canais que emitem 24 horas por dia, à Internet, ao desejo de estar de acordo com o tempo mas ligado também ao desejo de competição com os leitores mais jovens, cuja cultura está muito ligada ao mundo do espectáculo. As grandes audiências conseguidas pelas diversas galas e eleições de misses nas nossas televisões comprovam-no e com a transmissão do último episódio de uma telenovela de sucesso com a presença de actores muito conhecidos, desaparece mesmo uma parte da nossa cultura.

quarta-feira, maio 05, 2004

Condecorações

Regra geral, logo que eleitos os presidentes anunciam sempre a intenção de representar até os que não votaram em si. Sucede que por pensamentos ou palavras, actos ou omissões, esquecem-se da promessa poucos dias depois.
Lembrei-me disto com a recente atribuição da Ordem da Liberdade à senhora Isabel do Carmo. Estranho bastante que uma condecoração que visa “distinguir serviços relevantes prestados em defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação do homem e à causa da liberdade” seja entregue a alguém que tem responsabilidades directas no clima de caos e anarquia que Portugal viveu até ao 25 de Novembro. A menos que, entre tantos comendadores de mérito mais que duvidoso, exista já alguma dificuldade em encontrar candidatos.
Para os mais esquecidos lembro que a senhora foi uma dirigente emblemática do Partido Revolucionário do Proletariado – Brigadas Revolucionárias ( PRP-BR ). Entre as suas aventuras contam-se um ataque às instalações da NATO no Pinhal do Arneiro – Fonte da Telha e a uma bateria de canhões ( também integradas no dispositivo da NATO ) em S. António da Charneca – Barreiro. Como era de prever, tais actividades alertaram os Serviços Secretos Militares ocidentais, do Canadá à Turquia, onde passou a estar fichada com a classificação de “terrorista” e a ter vigilância personalizada. Em 1976, a Judiciária e a Secreta Militar, depois de uma vigilância apertada à dupla Carlos Antunes/Isabel do Carmo, concluem que os militantes do PRP-BR os autores dos assaltos a bancos, justificados pela necessidade de obtenção de fundos para armar a classe operária. Até meados de 1978, o PRP-BR terá sido responsável por mais de 30 acções violentas: assaltos à mão armada, quer em bancos, quer em esquadras da PSP, e a morte de um agente da Judiciária. O resto é bem conhecido e faz parte dos nossos hábitos: amnistias, amnistias e amnistias e ninguém foi responsabilizado pela morte do agente Carvalho.
Perante tudo isto, a senhora jamais deu sinais de alguma evolução ideológica e não parece arrependida com os actos do passado. Pelo contrário, parou no tempo e continua a creditar nos perigos do fascismo, em lutas de classes e em revoluções populares.
No intervalo de alguma saída ao estrangeiro, Jorge Sampaio deveria justificar a condecoração às altas instâncias da NATO. Ah, e explicar à família a razão na não atribuição, a nível póstumo, da Ordem da Liberdade ao agente Carvalho.

quarta-feira, abril 21, 2004

Entre-os-Rios

Sem pretender pôr em causa o poder judicial, embora seja no mínimo estranho que as suas decisões não possam ser apreciadas por nenhum outro poder legítimo, e usando apenas o direito de opinião, gostaria de falar do que para mim são “causas naturais” ou o que eu pensava que seriam.
Aparentemente, teria sido o excessivo caudal do rio em determinado momento crítico a causa da tragédia da ponte de Entre-os-Rios. Ora, esse caudal ficou longe da intensidade que provoca catástrofes noutras partes do mundo. As chuvas, em condições normais, são atenuadas nos seus efeitos pela dispersão territorial, pela retenção de água, pelo relevo, pela porosidade absorvente dos solos e pelo escoamento das águas. Aquilo que vem contrariar esta “normalidade” são as barragens, as desflorestações maciças, a construção selvagem em zonas de protecção dos recursos naturais, etc. Como é bom de ver, são acções efectivas dos homens.
Para mais, o tal caudal excessivo foi provocado por grandes descargas das barragens a montante e por razões de auto-segurança. Significa isto que ao ser tomada a decisão de mandar abrir as comportas, não foram acauteladas as consequências que poderiam provocar. A isto, a Justiça não ligou tal como não ligou a outros factos importantes.
Ironicamente, alguém dizia que os culpados da queda da ponte foram, para além do senhor que lhe deu o nome, todos aqueles que com o seu peso e pela inércia do seu movimento e dos veículos estavam naquele momento a atravessá-la. Apesar dos esforços, não será fácil provar que as causas naturais se conjugassem por si só e deliberadamente para fazer cair a ponte. Assim, só por culpa das vítimas é que se deu a catástrofe.
Voltando à ironia, que tal obrigar essas vítimas a indemnizar o Estado pelos prejuízos causados ao erário público?

segunda-feira, março 29, 2004

Tabaco

A Irlanda deu novamente uma lição ao mundo. "Já não bastava" terem feito as opções correctas em termos de desenvolvimento na altura devida, optando pela educação em detrimento das auto-estradas, por exemplo, como decidiram cortar o mal pela raiz, proibindo o consumo de tabaco em qualquer espaço fachado.
Para registarmos a coragem da medida, devemos lembrar a importância do tradicional "pub" no dia-a-dia "irish" onde música, cerveja e cigarros criam um ambiente notável.
Custos eleitorais de tal medida? Os ganhos a nível da saúde pública são mais importantes.

segunda-feira, março 15, 2004

Espanha

O recente ataque terrorista a Espanha e os desenvolvimentos que se lhe seguiram até ao apuramento dos resultados das eleições de ontem merecem algumas reflexões.
Antes de mais a disputa ETA / AL QAEDA como se de um jogo de futebol se tratasse ignorou o mais importante: houve um ataque terrorista. Que importa saber se foi uma ou outra? Então não têm existido contactos entre as duas? Alguma é melhor que a outra no sentido em que possamos dar o benefício da dúvida?
E os espanhóis? Terão querido castigar o apoio aos Estados Unidos? Mas não é esse apoio uma manifestação de combate ao terrorismo, chame-se ele ETA ou AL QAEDA? O que terá contribuído mais para a súbita mudança no sentido de voto em poucas horas?
No fundo, a conclusão a tirar pelos autores do atentado é que valeu a pena. O medo e a incompreensão deu os seus frutos e, num repente, todos esqueceram os milhares de mortos em Nova Iorque.
Mortos que merecem, no mínimo, o mesmo respeito que as vítimas da ETA.

segunda-feira, março 08, 2004

Liberdade / Censura

Não fosse repetir-se o caso de, num gesto mais brusco, um seio surgir imprevistamente numa transmissão televisiva, a recente cerimónia da entrega dos Óscares foi transmitida pela cadeia de televisão americana ABC não em directo mas com um atraso de cinco segundos. O objectivo foi garantir que nenhuma imagem “imprópria” seria transmitida para casa de todos os que seguiam o espectáculo.
Em França, há alguns dias atrás, os organizadores dos prémios “Victoires de la Musique” decidiram fazer a transmissão televisiva com um desfasamento de dez minutos, invocando “razões técnicas”.
Num e noutro caso, evitam-se dessa forma eventuais comentários e declarações “políticas” em locais à partida “apolíticos”, mas que são aproveitados por “alguns” para fazer passar a sua mensagem contra um governo ou uma determinada política.
Mas a questão é outra ou pode ser outra. Liberdade de expressão é a liberdade que temos de falar sem qualquer receio de sermos calados, é a possibilidade que temos de dar a nossa opinião sem qualquer tipo de silenciamento. Obviamente, pressupõe-se a responsabilização daquilo que é dito por quem diz.
Parece-me desta forma que o conhecimento prévio do discurso e as suas aceitação e aprovação atempadas por parte, quer dos órgãos de comunicação social, quer do Estado, são inaceitáveis numa sociedade democrática. Podem até existir situações em que os riscos da liberdade aconselham alguma prudência à sociedade, mas um seio nu está longe de justificar a limitação de falar sem escolhos no caminho.



quarta-feira, fevereiro 11, 2004

Greves à sexta-feira

Lembrei-me deste tema ao ler um artigo de Lucy Kellaway no "Diário Económico" de 14 de Janeiro, intitulado "O seu slôgane para a produtividade: não faça nada, ponto final". A autora anunciava que havia recebido "um folheto de uma consultora que dizia que a actividade da maioria das empresas girava em torno da desordem", acrescentando que "a desorganização deve-se, acima de tudo, ao excesso de informação e de tecnologia". O que, por sua vez, "implica numerosas reuniões, partilha ou transferência de responsabilidades e duplicação de esforços". Sem ser especialista, parece-me serem estes aspectos facilmente compreensíveis à luz dos princípios da Termodinâmica que regulam, em particular, a transferência e a degradação da energia e da informação. Dessa forma, uma medida da desordem é minimizada nos processos quase estáticos e todos os processos em que intervém o atrito são geradores de desordem.
Digam lá se em Portugal, desde há muito tempo, não são conhecidos os princípios da termodinâmica...
Fazer pouco ou fazer que se faz minimiza a desordem e contribui para uma maior eficiência dos serviços. O orçamento de uma instituição pública que atribui noventa por cento a gastos com o pessoal e os restantes dez por cento a outros gastos, desde o papel higiénico aos computadores é, afinal, coerente e entendível. Assim, a falta de papel desincentiva a utilização dos lavabos e o impedimento de revoluções na informática inviabiliza o acesso às auto-estradas da informação que, nos nossos serviços públicos, não passam de caminhos de cabras.
A lição a retirar é esta: "Não fazer nada para melhor fazer". Mas o que terá este texto a ver com o título? Pois bem, há quem defenda que as greves deveriam ser marcadas para as quintas-feiras, mas somente após o Governo dar garantia de haver tolerância de ponto no dia seguinte...

terça-feira, fevereiro 03, 2004

Ambiente

Há uns anos atrás, esforçaram-se em convencer-nos a separar o lixo. Desde os bancos da escola, onde esperavam que os mais miúdos passassem palavra em casa aos mais velhos, pedia-se que os portugueses tivessem consciência que podiam ter uma melhor qualidade de vida. Tudo dependia do seu comportamento. Distribuiram-se contentores azuis, brancos, amarelos e verdes que receberiam jornais, vidros, plásticos, pilhas e o restante lixo diário. Em casa, os mais conscienciosos atravancavam a cozinha com vários sacos de plástico de cores distintas onde faziam a recolha. Passados estes anos, confirma-se aquilo de que se suspeitou desde o início: 90 por cento dos resíduos sólidos urbanos continuam a ser encaminhados para aterros ou para queima. Quer dizer, o que é separado por nós acaba por ser queimado e destruído junto. Melhor ambiente e melhor qualidade de vida? Alguém continua a fazer de nós parvos...

terça-feira, janeiro 27, 2004

Memória

Quando M. sorriu pela última vez, o pai não estava na sala. Regressou a tempo de ouvir o nome do filho ser gritado por milhares de gargantas. Nada a que não estivesse habituado. M.era um artista e, como tal, tocava fundo a sensibilidade dos que o aplaudiam. Quando entrou naquela campo encharcado, imediatamente deu nas vistas. O cabelo louro avistava-se do lugar mais afastado da bancada e pela elegância dos seus movimentos pressentia-se que algo estava para acontecer. E aconteceu. M. participou e quase concluiu o movimento que faria a multidão levantar-se e aplaudir. Tinha valido a pena. Sair de casa numa noite invernosa, percorrer centenas de quilómetros e esperar oitenta e nove minutos por aquele momento, tinha valido a pena. Antes do sorriso, M. olhou para as bancadas em seu redor. A emoção das pessoas e a sua felicidade tinham a ver consigo. Ele tinha ajudado a fazê-los felizes. Ensaiou outros movimentos, combinou com os companheiros, sujou os calções, molhou a camisola com o seu suor mas a multidão estava rendida. M. era um dos seus e cumpriu o que esperavam dele. Quando M. sorriu pela última vez até a bola, rendida pelo seu toque de artista, se afastou para longe...

segunda-feira, janeiro 19, 2004

Memória

Começam hoje a ser recolhidos os depoimentos das vítimas de pedofilia nos Açores para memória futura. Ao contrário do que sucedeu no continente o juíz de Ponta Delgada considerou urgente tal recolha. Por muitas voltas que o processo dê e por muitas ameaças que as vítimas sofram, algo vai ficar registado e, espera-se, em segurança. No continente, de comédia em comédia e de pressão em pressão, as verdadeiras vítimas dos abusos, as crianças, são quase abandonadas e ignoradas...

Timing

As televisões foram pródigas em imagens, um mês depois de ter sido formalmente acusado, começou o julgamento de Michael Jackson. Quer isto dizer que nos Estados Unidos da América um mês é suficiente para o inquérito, marcação e começo do julgamento.Estes hábitos não podem passar de uns países para outros?

segunda-feira, janeiro 12, 2004

Amor, Amor

"Quando o amor morrer
dentro de ti,
Caminha para o alto
onde haja espaço,
E com o silêncio
outrora pressentido
Molda em duas colunas
os teus braços.
Relembra a confusão
dos pensamentos,
E neles ateia o fogo adormecido
Que uma vez, sonhos de amor,
teu peito ferido
Espalhou generoso
aos quatro ventos.
Aos que passarem
dá-lhes o abrigo
E o nocturno calor que se debruça
Sobre as faces brilhantes
de soluços.
E se ninguém vier, ergue o sudário
Que mil saudosas
lágrimas velaram;
Desfralda na tua alma
o inventário
Do templo onde a vida
ora de bruços
A Deus e aos sonhos que gelaram."

Ruy Cinatti, in Poemas de Amor

terça-feira, janeiro 06, 2004

Dois

No meio de todo este estado depressivo que grassa por aí, é justo evidenciar alguns oasis que manifestamente nos ajudam a sobreviver. Refiro-me ao lançamento do Dois. Deve dizer-se, por ser justo e merecido, que a administração de Almerindo Marques colocou de novo a RTP nos carris depois de um profundo e prolongado descarrilamento de gerências anteriores. Começou por limpar a casa, negociando a saída de trabalhadores excedentários, alguns em idade de reforma, reformulou alguns vencimentos escandalosos da era Rangel, colocou na Informação as pessoas capazes de praticar e dirigir um jornalismo sério, inteligente e nada partidário, abriu o conhecido segundo canal à sociedade civil. E se este último ponto parece chavão, recorde-se que estamos a falar de dez horas semanais, o que em televisão é algo extraordinário. Resultados? É cedo, mas por aquilo que se conhece do anúncio da grelha semanal, estão aí todos os ingredientes para o Dois se tornar um canal de referência.