quarta-feira, abril 21, 2004

Entre-os-Rios

Sem pretender pôr em causa o poder judicial, embora seja no mínimo estranho que as suas decisões não possam ser apreciadas por nenhum outro poder legítimo, e usando apenas o direito de opinião, gostaria de falar do que para mim são “causas naturais” ou o que eu pensava que seriam.
Aparentemente, teria sido o excessivo caudal do rio em determinado momento crítico a causa da tragédia da ponte de Entre-os-Rios. Ora, esse caudal ficou longe da intensidade que provoca catástrofes noutras partes do mundo. As chuvas, em condições normais, são atenuadas nos seus efeitos pela dispersão territorial, pela retenção de água, pelo relevo, pela porosidade absorvente dos solos e pelo escoamento das águas. Aquilo que vem contrariar esta “normalidade” são as barragens, as desflorestações maciças, a construção selvagem em zonas de protecção dos recursos naturais, etc. Como é bom de ver, são acções efectivas dos homens.
Para mais, o tal caudal excessivo foi provocado por grandes descargas das barragens a montante e por razões de auto-segurança. Significa isto que ao ser tomada a decisão de mandar abrir as comportas, não foram acauteladas as consequências que poderiam provocar. A isto, a Justiça não ligou tal como não ligou a outros factos importantes.
Ironicamente, alguém dizia que os culpados da queda da ponte foram, para além do senhor que lhe deu o nome, todos aqueles que com o seu peso e pela inércia do seu movimento e dos veículos estavam naquele momento a atravessá-la. Apesar dos esforços, não será fácil provar que as causas naturais se conjugassem por si só e deliberadamente para fazer cair a ponte. Assim, só por culpa das vítimas é que se deu a catástrofe.
Voltando à ironia, que tal obrigar essas vítimas a indemnizar o Estado pelos prejuízos causados ao erário público?