sexta-feira, abril 29, 2005

Mordomias

Antes das eleições, passou despercebida uma entrevista que Almeida Santos, um dos “senadores” da Pátria, antigo deputado, antigo ministro e antigo Presidente da Assembleia da República, deu à Antena 1.
Ele é muito provavelmente a pessoa que em Portugal piores títulos escolheu para os seus livros (“Picar de novo o porco que dorme” é bem exemplificativo) mas na entrevista explicou as razões que tornam uma carreira política no Parlamento aliciante. (Vamos lá então) Primeiro, ser deputado é uma ambição compreensível por se tratar de uma ocupação notória, de exígua responsabilidade e custo. Financeiramente, o Parlamento não deslumbra, mas é uma ocupação segura e confortável. (Não começamos nada mal, não senhor, mas aguardem o que está para vir) Depois, Almeida Santos acrescenta outras razões mais “terrenas” que contribuem para que nasça num português da província o desejo de estar na Assembleia. Ele próprio o diz, “para quem vive fora de Lisboa, vir três ou quatro vezes por semana à capital permite uma liberdade, nomeadamente conjugal, que é bastante sedutora”. (Repitam a leitura da citação, por favor)
Devemos esquecer tudo o que pensávamos que sabíamos sobre o Parlamento, a Democracia, a Representação popular, os interesses regionais. Afinal, os deputados de fora de Lisboa são eleitos com uma única função: libertarem-se dos cônjuges.
Tenho pena que a comunicação social portuguesa, tão pronta a encontrar escândalos em alguns governos e a branquear outros, não investigue este assunto, uma vez que o próprio Almeida Santos não denunciou os seus colegas. Eu gostava de saber nomes. Eu e os cônjuges.

Sinal dos Tempos

Quinta-feira, 10 de Março de 2005, Teatro São Luiz em Lisboa. Um telemóvel toca no início do recital do pianista português Artur Pizarro e é atendido em voz alta. O músico, pacientemente, pára a execução da peça e retoma-a de imediato. Poucos minutos depois, toca outro telefone mas o músico não pára. Depois do intervalo, soa longamente outro telemóvel. O seu proprietário não atende nem o desliga. O músico pára de tocar e diz ao infeliz: “Atenda, que eu paro. Mas saia”. Pega nas partituras, levanta-se e vai-se embora. Burburinho na sala. Alguém vem anunciar que o pianista não regressará. O dono do telemóvel dirige-se á bilheteira para exigir o dinheiro de volta, porque o recital foi interrompido.
Infelizmente, é esta a sociedade em que vivemos. Perdeu-se a noção do que é assistir a um espectáculo partilhado colectivamente. O problema não está apenas na falta de educação e consideração de alguns grosseiros que, antes dos telemóveis, faziam barulho e falavam alto nos concertos. Há um mal-estar muito maior. A cultura dominante é a do barulho, da palavra vazia, da comunicação redundante. Até as campanhas publicitárias giram em torno do falar para dizer nada até ficar sem voz. Durante tempos, foi o barulhinho do papel do rebuçado. Depois, a tosse foi ganhando adeptos. Hoje, o telemóvel domina a acção, quer seja nas mãos de um adolescente, de um novo-rico cultural, da cinquentona impertinente, do fulano das novas tecnologias. Habituem-se!

terça-feira, abril 19, 2005

Mar Adentro



dá realmente que pensar. Então deve "ajudar-se a morrer"? Ou será apenas "uma libertação"?
Ramon Sampedro demorou vinte e oito anos e quatro meses a "libertar-se".
Fabulosa a interpretação de Javier Bardem.

quinta-feira, abril 14, 2005

Sabedorias...

A maxima de Richard Woolcott, fundador da Volcom é: RELENTLESS REPETITION. Repetir, repetir, repetir.

Arranja a mesa: Decide exactamente aquilo que queres. A clareza é essencial. Antes de começar a trabalhar, escreve as tuas metas e objectivos num papel.
Planifica cada dia com antecipação: Pensa no papel. Cada minuto gasto a planificar pode poupar-te cinco a dez minutos durante a fase de execução.
Aplica a regra 80/20 a todas as situações: Vinte por cento das tuas actividades serão responsaveis por 80 por cento dos resultados. Concentra sempre os teus esforços naqueles vinte por cento de tarefas ou actividade.
Considera as consequências: As tarefas e prioridades mais importantes são aquelas que têm consequências mais sérias, positivas ou negativas, na tua vida e no teu trabalho. Concentra-te nelas acima de tudo.
Pratica continuamente o método ABCDE: Antes de começar a trabalhar numa lista de tarefas, reserva uns momentos para as organizar por ordem de valor e prioridade, de modo a que tenhas a certeza de que estaràs a trabalhar nas tuas actividades mais relevantes.
Concentra-te nas areas chave que produzem resultados: Identifica e define aqueles resultados que são absoluta e definitivamente necessarios para que consigas fazer bem todas as tuas tarefas e trabalha nelas ao longo do dia.
Obedece à Lei da Eficiência Obrigatoria: Nunca ha tempo para fazer tudo, mas ha sempre tempo para fazer as coisas importantes. Quais são essas coisas?
Prepara-te cuidadosamente antes de começar: A Preparação Previa Previne Performances Pobres.
Faz os trabalhos de casa: Quanto mais entendido e competente te tornares em relação às tuas tarefas-chave, mais depressa as iras começar e mais cedo as concluiras.
Rendibiliza os teus talentos especiais: Determina com exactidão que coisas és muito bom a fazer, ou poderas vir a ser, e entrega-te de alma e coração a executar muito, muito bem essas tarefas especificas.
Identifica os principais constrangimentos: Determina os pontos de estrangulamento, internos ou externos, que definem a velocidade com que consegues alcançar os teus objectivos mais importantes, e concentra-te em alivià-los.
Um barril de petroleo de cada vez: “Uma caminhada de mil milhas começa com um pequeno passo.” Se deres um passo de cada vez, conseguiras realizar os trabalhos mais dificeis e complicados.
Exerce pressão sobre ti proprio: Imagina que tens de sair da cidade durante um mês e trabalha como se tivesses de concluir todas as tarefas maiores antes de partir.
Maximiza os teus recursos pessoais: Identifica os periodos diarios de maior energia mental e fisica e programa as tarefas mais importantes e exigentes para serem executadas nessas alturas. Descansa bastante para que possas trabalhar no teu maximo.
Motiva-te para a acção: Sê o teu proprio factor de incentivo. Procura o lado mais positivo da cada situação. Concentra-te mais na solução que no problema. E sempre optimista e construtivo. Quando alguém te perguntar: “-Como estàs?” Responde sempre “ – Estou optimo!” Oitenta por cento das pessoas não querem realmente saber e vinte por cento ficam contentes se estiveres mal.
Pratica o adiamento criativo: Uma vez que não se pode fazer tudo, tens de aprender a por de lado propositadamente aquelas tarefas de baixo valor a fim de dispor de tempo suficiente para as poucas coisas que verdadeiramente contam.
Faz primeiro a tarefa mais dificil: Começa cada dia com a tarefa mais dificil, aquela que pode contribuir mais para ti e para o teu trabalho, e sê determinado em não a largar até que seja concluida.
Divide a tarefa: Divide as tarefas grandes e complexas em pequenas parcelas e depois começa por fazer apenas uma reduzida parte da tarefa.
Cria grandes blocos de tempo: Organiza os dias em função de grandes blocos de tempo, nos quais te possas concentrar nas tarefas mais importantes durante extensos periodos.
Desenvolve um sentido de urgência: Adquire o habito de atacar logo as tuas tarefas-chave. Torna-te conhecido como uma pessoa que faz as coisas bem e depressa.
Executa uma unica tarefa de cada vez: Estabelece prioridades claras, começa de imediato pela tarefa mais importante e depois trabalha sem paragens até que esteja 100 por cento terminada. Esta constitui a verdadeira chave para elevados desempenhos e para a maxima produtividade pessoal.



Toma a resolução de praticar estes principios todos os dias até que se tornem a tua segunda natureza. Interiorizando estes habitos de gestao pessoal como caracteristicas permanentes da tua personalidade, o futuro não tera limites.

terça-feira, abril 12, 2005

Vinicius de Moraes

Eu deixarei que morra
em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

sexta-feira, abril 08, 2005

Hora da Poesia

Árvore Aberta

Dobrei teus pulsos a dura aranha
do teu corpo
a tua árvore
faca que rasgou a barreira do ventre
a tua face abrindo-se como um barco
amei-te tempestade de ossos e de nervos
contra ti
contra ti

exílio
pátria sobre o chão
e fuga

furiosa e suave lâmina animada
bebida a jactos
aranha alta e linda
enclavinhada
destilando o suor a baba o vinho a seiva
o estrépito da primavera
de uma árvore que se abre
no silêncio

António Ramos Rosa

terça-feira, abril 05, 2005

Um Herói

A história tem já alguns dias, a mensagem é bem actual. A verdade é que nem conhecemos o seu nome mas talvez isso não seja o mais importante. No Sudão, o piloto de um avião de carga condenado a cair tomou aquela que foi a sua última decisão: afastou-o da zona residencial que podia transformar-se em alvo e levou-o para o deserto onde, finalmente, se despenhou. No desastre, morreram sete pessoas, incluindo ele próprio.
Sucedeu há quase um mês no Sudão, a vinte cinco quilómetros do centro de Cartum, a capital sudanesa, e a verdade é que o morticínio só não aconteceu devido ao gesto do piloto. Quem nos contou esta história? Ah, isso sabemos. Abou Bakr Jaafar e Seif Mazrouq Saad Umar são directores da aviação civil do Sudão e da Air West, a companhia aérea a que pertencia o avião cargueiro. Ou seja, as agências noticiosas referiram os seus nomes como fontes mas não foram capazes de indicar o nome do piloto transformado em herói. Ironia do destino? Talvez, ou então tal impossibilidade teve a ver com a rapidez da sua morte mas não tinha sido também rápida a decisão de poupar vidas, mesmo sabendo que não salvava a sua?
Num mundo de desnorte e de individualismo, que lição tirar desta atitude anónima? Muito simplesmente, podemos fazer sempre algo para salvar vidas, reduzir acidentes, minimizar danos. Tratar-se-á de um caso único? Longe disso, houve outros heróis em todos os continentes e em várias circunstâncias, mas o facto desta história se ter passado num país noticiado pelos piores motivos – nomeadamente, constantes violações dos direitos humanos -, torna tudo ainda mais insólito.
No país existem 1,8 milhões de deslocados, vítimas do conflito armado que ali decorre há décadas. Dezenas de milhares de mortos que, mesmo assim, estão longe do milhão de pessoas ameaçadas pela fome. Todos estes números não tocaram fundo na comunidade internacional. Esta continua impassivelmente envergonhada e à última hora evitou mesmo a “simples” inscrição de genocídio no último relatório assinado pelos inspectores das Nações Unidas. Nestes momentos há sempre alguém que fica feliz e aliviado: os governos locais. Desta vez, foi o governo sudanês. “Temos uma cópia desse relatório e não se fala na existência de genocídio”, declarou o ministro sudanês dos Negócios Estrangeiros aos jornalistas no final de Janeiro. Pode existir violência, fome, um elevado número de violações, imensas pilhagens, um grande número de deslocados, mas o importante é não levantar muitas ondas e, para descanso de todos, o maior país do continente africano tem apenas – segundo os relatórios oficiais – um “potencial de genocídio”.
Voltemos ao nosso herói, muitas linhas depois da última referência. Que resposta deu o nosso anónimo ao mundo individualista e de desnorte? Com que acção respondeu aos relatórios oficiais e às consciências pesadas? Que pedra atirou às vontades guerreiras das forças guerreiras do pó sudanês? Um simples homem que não deixou o nome para a posteridade, condenado à morte pelo destino, desviava o seu avião para salvar um elevado número de compatriotas que jamais conhecerá. Em terra, estes mesmos compatriotas ignorarão o gesto e lembrarão apenas “o destino”, essa figura imensa. Jamais lembrarão a humanidade do acto e a lição de vida que aconteceu no seu país. Um país repleto de vítimas e algozes.