quarta-feira, junho 09, 2004

DIA D

Em Fevereiro de 2003, antes da invasão do Iraque, um jornalista americano escrevia, tendo por fundo uma imagem do cemitério militar de Coleville na Normandia: “Estes rapazes morreram para salvar a França dum tirano chamado Adolf Hitler. E hoje, quando outros rapazes da América se preparam para se bater e morrer para salvar o mundo de um outro tirano tão monstruoso, Saddam Hussein, onde estão os franceses?”.
Quando se comemoram os sessenta anos sobre o dia que libertou a Europa do fascismo e do nazismo, a pergunta continua no ar: onde estão os franceses? Pois bem, estão naquela Europa que subestima o hiperterrorismo enquanto se tenta promover a si própria; a Europa que quer ter autonomia política e estratégica mas sempre em complemento dos EUA, de cuja aliança militar depende; a Europa que tem objectivos bem limitados: a segurança no interior do seu território, incluindo a bacia mediterrânica.
Na Normandia, morreram americanos, ingleses, canadianos, australianos e franceses. Terá sido em vão? De acordo com Zachary Selden, director do comité de defesa e segurança da assembleia parlamentar da NATO, “onde a América vê a utilização da força em nome de princípios morais, a Europa vê imperialismo; onde a Europa pergunta por que é que a América quer impor os seus valores, a América considera que esses valores são universais e moralmente absolutos”. É curioso verificar que os novos parceiros europeus se sentem fascinados pela Europa em que entraram, mas ainda olham os EUA como sendo o único país que os pode proteger, se necessário. E isso acontece porque a Europa está, cada vez mais, a ficar à margem de uma história que se muda para outros palcos. O Ocidente está a mudar-se para o (Médio) Oriente, com tudo o que isso encerra de novidade.
A Europa deve continuar a colaborar em garantir a segurança no Afeganistão, em resolver o problema palestiniano, em promover a democracia no mundo árabe, em convencer o Irão a não construir a bomba atómica, e para isso, não poderá ignorar os EUA. Sobretudo, não deverá esquecer que o direito dos povos a serem libertados de despotismos extremistas se sobrepõe ao habitual respeito pelas fronteiras e ao velho princípio de soberania. Hoje, como há sessenta anos na Normandia.