quinta-feira, novembro 27, 2003

Sophia

"Dei-te a solidão do dia inteiro.
Na praia deserta, brincando com a areia,
No silêncio que apenas quebrava a maré cheia
A gritar o seu eterno insulto,
Longamente esperei que o teu vulto
Rompesse o nevoeiro."
Dia do Mar (1947)

quarta-feira, novembro 26, 2003

Gonçalo passa a vida a organizar férias que nunca fará. Adquire todas as ferramentas necessárias: mapas, guias, revistas e vídeos. Contacta pousadas e hotéis. Nada é deixado ao acaso. Na maior parede do quadro, está exposto um enorme mapa-mundo. Em cima de uma estante, uma pequena caixa de alfinetes coloridos que hão-de assinalar tantos destinos por cruzar.
Certa vez, encontrei-o feliz a distribuir alfinetes pelas mil ilhas das Filipinas. Ignorando ainda as suas manias, perguntei-lhe quando tencionava partir. Gonçalo, muito ofendido, respondeu-me que não pretendia sair de casa e que não trocava a segurança dos seus sonhos pelo desconforto da realidade num país do outro mundo. Mais tarde, lembrar-me-ia que o real é imperfeito e é isso que o distingue dos sonhos. Tudo o que dói é real. É poi a dor que assinala a fronteira entre o sonho e a realidade.
Lembro-me também em todos aqueles que pensam decorar o apartamento. Digerem-se revistas de decoração, questionam-se arquitectos e designers, imaginam-se paredes, tons e luzes. Quando as obras terminam, descobrem-se as imperfeições, os dedos sujos nas paredes, as traições, o real. E lá foi a casa dos sonhos...
Os sonhos não pagam impostos. Um apartamento bem sonhado nunca tem problemas de infiltrações, nem vizinhos barulhentos, nem sequer tem andares por cima. Imagino-o com um terraço amplo por cima e uma piscina não muito grande. Vou passar a ler as páginas do imobiliário, tentando descobri-lo.
Quando ontem liguei a Gonçalo avisou-me logo que não podia falar comigo pois estava quase a pousar no Rio de Janeiro. Incrédulo, pedi-lhe que repetisse. Insistiu que estava aos comandos de um jumbo, já baixara o trem de aterragem e aguardava as instruções da torre de controlo. Desliguei desejando não ter perturbado a operação.
Mais tarde haveria de ligar-me explicando que tinha comprado um simulador de voo e que nos últimos dias pouco mais tinha feito senão voar sobre Paris, Londres, Nova Iorque. Inexperiente, despenhou-se sete vezes e matou mais de mil passageiros.
Gonçalo, porém, nunca sofreu nem um arranhão. “É o triunfo do sonho”, assegurou-me.

Vi ontem o filme "A Janela em Frente" de Ferzan Ozpetek. É notável. Aconselho-o vivamente a todos os que querem aprender como o presente se pode enriquecer com a experiência do passado. E digo isto porque é manifesto que os nossos jovens perderam completamente a memória da História e o sentido que, a partir dela, poderiam extrair para a vida.Magnífica, mais uma vez, a interpretação de Massimo Girotti - bem conhecido de filmes de Visconti e Pasolini - que entretanto faleceu e não pôde já assistir ao filme. Como um mestre, consegue tudo dizer e tudo revelar com o mínimo de palavras.

terça-feira, novembro 25, 2003

Pela manhã um poema de João Miguel Fernandes Jorge:

"Os olhos são castanhos, os seus
Contou-me o crescer da casa, por
onde se desenvolveram os quartos
e os muros e foi ele próprio
quem plantou o magnólio
no sítio extremo do jardim.
«Muito obrigado», disse-lhe. «De
nada», respondeu-me. E
mesmo este «de nada» era
o seu rosto aceso, dia que vem
longe, ainda, por ofertar."

segunda-feira, novembro 24, 2003

Mário Rui de Carvalho, o famoso repórter de imagem da CBS, dá uma verdadeira lição no Público de ontem sobre procedimentos que devem ser respeitados pelos que partem para um cenário de guerra. Existe todo um trabalho anterior de organização ( o intérprete, o guia, o motorista, a segurança, ... ) que deve ser levado em linha de conta para que nada fique entregue aos caprichos da sorte e do acaso. Não podemos pensar que "não deve acontecer nada"...

quarta-feira, novembro 19, 2003

Numa altura em que todos os principais serviços de notícias das televisões portuguesas demoram bem mais do que uma hora, deixem-me fazer uma breve comparação. Na noite de segunda-feira, 27 de Outubro, o telejornal mais importante da televisão norte-americana CBS começou à hora marcada e acabou, como sempre, exactamente 29 minutos depois de se ter iniciado.
Começámos por ver tratado o tema do dia, os catastróficos incêndios na Califórnia. Curiosamente, as semelhanças com o que aconteceu em Portugal foram gritantes: bombeiros queixando-se da falta de meios, suspeitas de incêndios de origem criminosa, queixas sobre matas mal limpas, hectares e hectares de floresta devastados. Quatro jornalistas em trabalho de reportagem nos lugares mais flagelados entraram em directo na emissão e remeteram-se, e bem, a um papel secundário dando voz a casos humanos que documentavam a imensidão da tragédia.
Seguiu-se um pequeno apontamento sobre eventuais consequências de um medicamento no cancro do pâncreas, uma notícia sobre a compra de um banco em Boston e a evolução dos índices das bolsas de Nova Iorque. Houve ainda uma reportagem de consumo, onde era tratado um defeito de fabrico de um dos carros mais populares nos Estados Unidos.
Para terminar, o pivot apresentou uma peça onde se explicava os motivos da violência dos incêndios deste ano.
Se nestes 29 minutos se contabilizarem ainda três intervalos para publicidade, percebemos as vantagens de um país onde deve haver uma enorme escassez de notícias...
A partir do momento em que a comunicação social descobriu a justiça como fonte de espectáculo e como um meio para subir nas sondagens o mundo está diferente. Nos anos iniciais da televisão privada, é verdade que tínhamos o crime e o sexo mas, no fim de contas, o discurso é idêntico: antes davam-nos os agressores, agora dão-nos os justiceiros. Desiludam-se os que pensam que podemos colocar de um lado os bons e do outro os maus.
Diz-se que a televisão “deforma” a pessoa, alguém que conhecemos magro torna-se, no pequeno ecran, mais gordo. Ora, é mais ou menos isso que acontece quando um político está a falar para a TV. Considerando que o seu objectivo comunicacional é tentar convencer o espectador, o seu discurso visa esse e só esse objectivo. Se a sondagem de popularidade do mês seguinte for positiva, então o objectivo foi alcançado. Lamentavelmente, conceitos como verdade, mentira, rigor são pouco importantes e passam um pouco ao lado. Decisivas são a estética e a fluência da narrativa. E aqui ficamos nós, pobres espectadores, desarmados, incrédulos e desconfiados. Mas eis que chegam os comentadores.
Tendo em conta a nossa surpresa, o comentador funciona como tradutor, alguém que, falando a nossa língua, nos ajuda a descodificar a mensagem. Se o comentador também for político, então podemos entender as manhas que se escondem no meio dos discursos.
Existem situações em que a mentira é detectada mas como passou a ser vista como um hábito ou um ardil e já não um defeito de carácter, isso não tem consequências. Voltando ao espectáculo e considerando que este é o acto do imediato, é o brilho que não dura para além do momento, a memória está fora deste “jogo”, nem sempre se torna nítido que alguém esteja a mentir.
Talvez seja por tudo isto que a política anda afastada das pessoas, apesar de precisar delas e de se servir delas diariamente. Das pessoas comuns que “habitamos” num outro mundo, não virtual mas bem real. Um mundo que é o oposto do espaço dos meios de comunicação social.
P.S. Tudo isto explica a intranquilidade. Se o nosso sistema judicial existe para ser o espaço de isenção e da verdade, que dizer da enorme quantidade de procedimentos entre o real acontecido e a sentença definitiva? O lugar criado para o conhecimento da verdade não é mais do que um lugar onde tudo se vai enredando e adiando de recurso em recurso.

terça-feira, novembro 18, 2003

Fundamental o texto de ontem de Maria do Carmo Vieira no Público de ontem sobre educação. Ele ajuda a perceber o que tem acontecido para que os alunos estejam cada vez pior preparados quando saem de lá. É a lei do "facilitismo" que tem imperado. Haverá remédio? Serão as ciências ditas da "educação" as únicas responsáveis?

segunda-feira, novembro 17, 2003

Inauguro aqui o meu blog. Tenho assim um primeiro leitor. Espero muitos mais até porque o seu título oferece várias possibilidades de discussão e de análise.