terça-feira, março 22, 2005

"Sentido Ético"??

Durante uns tempos ouvi falar em “choque tecnológico” e não percebi. Culpa minha, claro. Contudo, bastou uma declaração do Dr. Jorge Lacão para tornar tudo claro. Este senhor fez um upgrade. Passo a explicar: tal como os computadores, o Dr. Lacão procedeu a uma actualização no seu sistema e apagou todos os dados que continha até então. Só assim se explicam as suas declarações, mal foram conhecidos os resultados eleitorais, aconselhando as pessoas nomeadas para lugares públicos por razões estritamente partidárias a tomar a atitude, por simples dever ético, de colocarem os seus lugares à disposição logo que o novo governo tome posse.
Para este senhor, apagado que está o passado, só o governo que agora termina funções terá tido os seus “boys”. Antes dele, terão existido “rapazes”, “garçons” ou “ragazzi” mas “boys” é que não. Muito bem, passemos adiante.
O Dr. Lacão é conhecido por estar sempre com a liderança do seu partido e, talvez por isso, não necessita de colocar nunca o lugar à disposição quando as coisas não correm bem. Vários exemplos: como tenho a mania dos papéis fui à procura e verifiquei que em 1995, o programa do Partido Socialista apresentava a seguinte promessa, perdão, proposta, quero dizer, compromisso, corrijo, objectivo, para o distrito de Santarém: regularização e ordenamento do Tejo. Pois é, prometeu mas não fez. Algum dos deputados do PS eleitos pelo distrito, incluindo o Dr. Lacão, tomou a atitude, “por simples dever ético”, de colocar o seu lugar à disposição ? Outras promessas ou propostas ou compromissos ou objectivos de 95: projectos e concursos para o IC3, projecto e execução do IC11, de Vendas Novas a Vila Franca de Xira, construção da variante EN3, do Cartaxo a Santarém. Prometeram e não fizeram. Ninguém colocou o lugar à disposição.
Na noite eleitoral, o vice-presidente do Conselho Superior de Magistratura, António Santos Bernardino, festejou de cachecol aos ombros, na sede do PS / Leiria, o resultado dos socialistas nas últimas eleições legislativas ( caros leitores socialistas, tenho a fotografia se duvidarem ). Perante a gravidade do facto ( ou só seria grave se o mesmo tivesse sucedido numa qualquer sede do PSD ? ), o Dr. Lacão aconselhará este senhor, “por simples dever ético”, a colocar o seu lugar à disposição ?
Imaginemos agora um “supônhamos”, como diria o José Pedro Gomes. Daqui a algum tempo, quando o professor Freitas do Amaral esquecer a rábula “toma lá o meu apoio, dá-me cá um ministério” e encerrar a Festa do Avante na Atalaia, será que o Dr. Lacão lhe irá pedir que tome a atitude, “por simples dever ético”, de colocar o seu lugar à disposição ?
A famosa argúcia popular encontrou para este contexto o conhecido “se tens telhados de vidro, não atires pedras”. Há políticos, há promessas, há obras, tem de haver responsabilidades.
Um último pormenor. O simples upgrade ou a actualização do sistema pode não resolver o problema. Por vezes, é necessário um bom anti-vírus. Habitue-se…

sexta-feira, março 18, 2005

Chuva forte

é a que se espera para as próximas horas. São as

Águas de Março



É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol
É peroba no campo, é o nó da madeira
Caingá candeia, é o matita-pereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira
É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumeeira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto um desgosto, é um pouco sozinho
É um estepe, é um prego, é uma conta, é um conto
É um pingo pingando, é uma conta, é um ponto
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manha, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terçã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É um resto de mato na luz da manhã

Tom Jobim


E esta??



O senhor da esquerda, com cachecol do PS ao pescoço chama-se António Cardoso dos Santos Bernardino. É "simplesmente" vice-presidente do Conselho Superior de Magistratura e não resistiu a celebrar a vitória do seu partido na sede do PS em Leiria. Este senhor é o responsável máximo pelo orgão disciplinador dos juízes portugueses, o orgão que pune os magistrados judiciais quando estes violam o dever de reserva. Este senhor será diferente dos outros?
E se o Dr. Souto Moura fosse avistado numa sede do PSD?
Pois é...

Arte? Qual arte??????

Primeira situação. Em Dezembro último, desapareceram do Centro de Arte e Espectáculos da Figueira da Foz os 17 pedaços de um lavatório de cerâmica a que Jimmie Durham chamou As Frases. Tais pedaços foram partidos em 1995, durante uma performance na galeria Módulo do artista norte-americano de origem cherokee e a peça, no valor de milhares de euros, pertencia à colecção do Instituto de Artes. O seu destino foi o lixo porque a empregada da limpeza achou – com razão – que se tratava de lixo de alguma obra a decorrer no centro. Arte?
Segunda situação. Em Junho de 2004, um zeloso funcionário de limpeza da galeria Tate Britain em Londres deitou fora – com razão – aquilo que lhe pareceu ser um saco de plástico com papéis e pedaços de cartão, que se encontrava junto a uma mesa. Tratava-se de parte de uma instalação do alemão Gustav Metzeger. (Infelizmente) O saco seria entretanto recuperado. Arte?
Terceira situação. Ainda em Londres, em 2001, o excesso de zelo destruiu uma “obra” do britânico Damien Hirst: latas de cerveja vazias, chávenas de café, maços de tabaco e cinzeiros atulhados de beatas, reunidas com o objectivo de representar o caos do estúdio do artista, foram parar – e bem – ao lixo. Arte?
Quarta situação. Na Alemanha, anos 80, a banheira imunda que fazia parte de uma instalação de Joseph Beuys foi esfregada – e bem – até ficar limpa. Arte?
Quinta situação. Há poucos dias, em Frankfurt, uma peça feita de vulgar plástico amarelo usado na construção civil, dobrado e cortado pelo artista Michael Beutler foi – e bem – destruída e incinerada por três alemães que trabalham na recolha do lixo. O autor explicou à BBC.News que tal obra “tinha qualquer coisa de parque infantil público, podia ver-se nela uma espécie de cobra ou assim”. O objectivo seria “criar uma coisa de tal forma real que não parecesse uma obra de arte”. Arte?

Nota: Este texto é dedicado aos "almeidas" portugueses. Força, vocês são a nossa esperança…

quinta-feira, março 17, 2005

Prosa

de Michel Deguy logo pela manhã. Bom Dia !!

PROSE

Tu me manques mais maintenant
Pas plus que ceux que je ne connais pas
Je les invente criblant de tes faces
La terre qui fut riche en mondes
(Quand chaque roi guidait une île
A l’estime de ses biens (cendre d’
Oiseaux, manganèse et salamandre)
Et que des naufragés fédéraient les bords)

Maintenant tu me manques mais
Comme ceux que je ne connais pas
Dont j’imagine avec ton visage l’impatience
J’ai jeté tes dents aux rêveries
Je t’ai traité par-dessus l’épaule

(Il y a des vestales qui reconduisent au Pacifique
Son eau fume C’est après le départ des fidèles
L’océan bave comme un mongol aux oreillers du lit
Charogne en boule et poils au caniveau de sel
Un éléphant blasphème Poséidon)

Tu ne me manques pas plus que ceux
Que je ne connais pas maintenant
Orphique tu l’es devenu J’ai jeté
Ton absence démembrée en plusieurs vals
Tu m’as changé en hôte Je sais
Ou j’invente

terça-feira, março 15, 2005

Vitorino Nemésio

foi provavelmente o maior poeta português do século XX.

Semântica Electrónica

Ordeno ao ordenador que me ordene o ordenado
Ordeno ao ordenador que me ordenhe o ordenhado
Ordinalmente
Ordenadamente
Ordeiramente.
Mas o desordeiro
Quebrou o ordenador
E eu já não dou ordens
coordenadas
Seja a quem for.
Então resolvo tomar ordens
Menores, maiores,
E sou ordenado,
Enfim --- o ordenado
Que tentei ordenhar ao ordenador quebrado.
--- Mas --- diz-me a ordenança ---
Você não pode ordenhar uma máquina:
Uma máquina é que pode ordenhar uma vaca.
De mais a mais, você agora é padre,
E fica mal a um padre ordenhar, mesmo uma ovelha
Velhaca, mesmo uma ovelha velha,
Quanto mais uma vaca!
Pois uma máquina é vicária (você é vigário?):
Vaca (em vacância) à vaca.
São ordens...
Eu então, ordinalmente ordeiro, ordenado, ordenhado,
Às ordens da ordenança em ordem unida e dispersa
(Para acabar a conversa
Como aprendi na Infantaria),
Ordenhado chorei meu triste fado.
Mas tristeza ordenhada é nata de alegria:
E chorei leite condensado,
Leite em pó, leite céptico asséptico,
Oh, milagre ordinal de um mundo cibernético!

Vitorino Nemésio

sexta-feira, março 11, 2005

Nau Catrineta

Com a devida vénia, aqui reproduzimos

- Lá Vem a Nau Catrineta ( 39 )





Lá Vem a Nau Catrineta

que tem muito que contar

com tricórnio de côr preta


D. José a comandar

D. Costa trata de ver

se corre tudo a preceito

D. Diogo vai escolher

os aliados de peito

D. Cunha juntou-se ao Pinho

dois em um, está bom de ver

p'ra contar o dinheirinho

que o baú vai receber


D. Luís limpa os canhões

D. Correia é enfermeiro

a Lurdinhas dá lições

a tudo que é marinheiro

D. Jaime é o despenseiro

D. Gago lê as estrelas

D Lino faz de pedreiro

D. Correia limpa as velas

D. Vieira é o tenente


mais querido da marinhagem

é ele que paga à gente

em cada mês de viagem

D. Pedro de pé à ré

transmite pr'à populaça

aquilo que D. José

ordena pois que se faça

D. Augusto é o papagaio

escolhido p'lo Capitão


D. Alberto é o lacaio

encarregue da prisão

A Dª Isabel de Lima

tem tarefa desgastante

escada abaixo, escada acima

que a cultura é importante

P'ra compôr o ramalhete

das flores do Capitão

só faltava o mandarete


quem é ele?...D. Lacão



É esta a tropa fandanga

que promete à Catrineta

que o discurso da tanga

já foi posto na gaveta

Com estes novos doutores

vai ser um sempre a aviar

ouvi agora senhores


uma história de pasmar





Era tempo de ocupar

camarotes e beliches

eram novos, a estrear

bem confortáveis, bem fixes

É claro que os tenentes

ocupavam camarotes

o resto das outras gentes


os beliches, mais fracotes



O grosso da marujada

toda ao monte, pois então?

pelo convés espalhada

com os costados no chão

Há séculos que assim era

sempre assim fôra vivido

a vida dura e austera


tinham há muito assumido



"...Falta muito para zarpar?

ó piloto do inferno?

eu quero é fazer-me ao mar

que em terra não me governo

o Banco levou-me a casa

o fisco o meu carrinho

a mulher bateu a asa


deixou-me a falar sozinho"...



"...Foi bem feito,meu sacrista!

quem te mandou ser otário?

querias ser galo de crista

foste frango de aviário

elegeste um trapalhão

D. Burroso, essa vedeta

para ser ele o Capitão


da bela Nau Catrineta...



...Em vez da prata e do oiro

que dizia ir trazer

afundou foi o tesoiro

e deu à sola a correr

Depois foi D. Santanás

com ele foi um fartote

já percebes porque estás


não de tanga, mas pelote?"...



Calou, seus fala-barato

vós sois piores que peixeiras

e toca a dar ao sapato

acabar com as brincadeiras

uma encomenda selada

vai chegar via postal

vem do Caldas enviada


p´ra D. Diogo Amaral



Assim que ela cá chegar

quero ser logo avisado

aquele que a entregar

vai levar outro recado

D. José me confiou

esta tarefa importante

escusado dizer que estou


bem por demais radiante



Irei dizer ao carteiro

que diga de uma assentada

ao marmelo que primeiro

no Caldas vir à entrada:

De D. José venho a rogo

informar-vos em geral

que o quadro de D. Diogo


de Freitas do Amaral

foi com prazer recebido

logo,logo colocado

no local que lhe é devido

prontamente preparado



D. Paulinho a sua acção

foi a de um puto de escola

ou você é parvalhão


ou não bate bem da bola

mas pode ficar ciente

depois desta brincadeira

pode haver na sua gente

quem espete o seu na lixeira

Autor: Zé do Telhado - in: www.tadechuva.weblog.com.pt - Blogue: Tadechuva II

Solidariedade





Madrid, um ano depois


A paz sem vencedor e sem vencidos

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Que o tempo que nos deste seja um novo
Recomeço de esperança e de justiça.
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Erguei o nosso ser à transparência
Para podermos ler melhor a vida
Para entendermos vosso mandamento
Para que venha a nós o vosso reino
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Fazei Senhor que a paz seja de todos
Dai-nos a paz que nasce da verdade
Dai-nos a paz que nasce da justiça
Dai-nos a paz chamada liberdade
Dai-nos Senhor paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos


Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, março 10, 2005

Rosalia de Castro

tem aqui um dos seus mais belos poemas.


¡Cal as nubes no espazo sin límites
errantes voltexan!
Unhas son brancas,
outras son negras;
unhas, pombas sin fel me parecen,
despiden outras
luz de centela...

Sopran ventos contrarios na altura
i á desbandada,
van levándoas sin orden nin tino,
nin en sei pra onde,
nin sei por que causa.

Van levándoas, cal levan os anos
os nosos ensoños
i a nosa esperanza.