terça-feira, janeiro 27, 2004

Memória

Quando M. sorriu pela última vez, o pai não estava na sala. Regressou a tempo de ouvir o nome do filho ser gritado por milhares de gargantas. Nada a que não estivesse habituado. M.era um artista e, como tal, tocava fundo a sensibilidade dos que o aplaudiam. Quando entrou naquela campo encharcado, imediatamente deu nas vistas. O cabelo louro avistava-se do lugar mais afastado da bancada e pela elegância dos seus movimentos pressentia-se que algo estava para acontecer. E aconteceu. M. participou e quase concluiu o movimento que faria a multidão levantar-se e aplaudir. Tinha valido a pena. Sair de casa numa noite invernosa, percorrer centenas de quilómetros e esperar oitenta e nove minutos por aquele momento, tinha valido a pena. Antes do sorriso, M. olhou para as bancadas em seu redor. A emoção das pessoas e a sua felicidade tinham a ver consigo. Ele tinha ajudado a fazê-los felizes. Ensaiou outros movimentos, combinou com os companheiros, sujou os calções, molhou a camisola com o seu suor mas a multidão estava rendida. M. era um dos seus e cumpriu o que esperavam dele. Quando M. sorriu pela última vez até a bola, rendida pelo seu toque de artista, se afastou para longe...

Sem comentários: