sexta-feira, abril 29, 2005

Sinal dos Tempos

Quinta-feira, 10 de Março de 2005, Teatro São Luiz em Lisboa. Um telemóvel toca no início do recital do pianista português Artur Pizarro e é atendido em voz alta. O músico, pacientemente, pára a execução da peça e retoma-a de imediato. Poucos minutos depois, toca outro telefone mas o músico não pára. Depois do intervalo, soa longamente outro telemóvel. O seu proprietário não atende nem o desliga. O músico pára de tocar e diz ao infeliz: “Atenda, que eu paro. Mas saia”. Pega nas partituras, levanta-se e vai-se embora. Burburinho na sala. Alguém vem anunciar que o pianista não regressará. O dono do telemóvel dirige-se á bilheteira para exigir o dinheiro de volta, porque o recital foi interrompido.
Infelizmente, é esta a sociedade em que vivemos. Perdeu-se a noção do que é assistir a um espectáculo partilhado colectivamente. O problema não está apenas na falta de educação e consideração de alguns grosseiros que, antes dos telemóveis, faziam barulho e falavam alto nos concertos. Há um mal-estar muito maior. A cultura dominante é a do barulho, da palavra vazia, da comunicação redundante. Até as campanhas publicitárias giram em torno do falar para dizer nada até ficar sem voz. Durante tempos, foi o barulhinho do papel do rebuçado. Depois, a tosse foi ganhando adeptos. Hoje, o telemóvel domina a acção, quer seja nas mãos de um adolescente, de um novo-rico cultural, da cinquentona impertinente, do fulano das novas tecnologias. Habituem-se!